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PENDULAR

 

O movimento que há entre lá e cá

                                                                                                                                                              Bernardo Bazani


 

O movimento convergente em que dez pêndulos tocam no centro uns aos outros gera uma fagulha combustível resultado da fricção entre eles. A partir desta fagulha, foi possível que dez pêndulos continuassem em movimento. Para alguns deles, como Cibele Nogueira, Clara Machado, Gabriela Noujaim, Maria Baigur, Pedro Carneiro e Raphael Couto, o primeiro dentre os muitos movimentos pendulares foi menor, o que possibilitou que eles experimentassem habitar a Casa da Escada Colorida presencialmente. Para outros, como é o caso de Nau Vegar, Daniela Granja, Lara Ovídio e Paula Turmina, este movimento foi maior, tornando-se transamazônico, transoceânico, e o toque virtual.

O centro, parte fundamental da geometria, é rememorado nesta exposição no papel da Casa e da plataforma que a representou virtualmente. No teatro, o centro representa o espaço principal da cena, a tábula, palco das dinâmicas que ocorrem durante o espetáculo. Aqui, a Casa. Ao evocarmos o centro, mencionamos a lógica divergente do “dentro e fora”, “centro e periferia”.

Para além da existência dos lugares A e B, dentro e fora, existe algo para onde podemos voltar nossa atenção: o movimento que há entre lá e cá, que anuncia a série de deslocamentos pendulares grafados entre os participantes. Seja o movimento dentro-fora realizado inúmeras vezes nesta residência – por nós, em encontros ritmados com os artistas; pelos próprios artistas, rotineiramente, no decorrer dos meses; ou em práticas artísticas relacionais. Seja o movimento que há na ordem discursiva dos trabalhos, na visão do espectador oscilando entre características opostas das obras, ou no deslocamento proposto por alguns artistas, todos eles têm algo em comum: a força do pêndulo.

A força do pêndulo que se movimenta entre os termos, que negocia o contato e busca evitar a colisão, mas que, caso colida, é capaz de sustentar as marcas do atrito. A força do pêndulo que graficamente marca uma cartografia de posições alternadas, e que, tridimensionalmente, para além do que uma equação matemática pode garantir, remonta um balé coreografado dos artistas em movimento. A força, ainda, da possibilidade de alterar o movimento de alguns desses pêndulos a partir da colisão e do atrito ou do fascínio e do afeto.

Esta exposição fala do voo imprevisível de um objeto leve guiado ao céu, que, nos termos de Borges, ‘afasta-se e aproxima-se no vaivém do vento’, mantendo-nos firmes ao chão por medo da incerteza, enquanto nos faz querer seguir a dança que foi proposta. Fala da tentação em desvelar os materiais de uma pintura sugestiva ou de embarcar em um experimento de colonização contra-colonial. Da caminhada sobre territórios imaginários, de grande potência onírica, nos entrelugares. É sobre o movimento pendular entre ir ao céu, sair da Terra e firmar os pés no chão da Casa.

 

A exposição reflete a respeito dos pés firmes de um consumidor sobre uma superfície que se encarrega de atribuir função à obsolescência, enquanto torna obsoleto seu próprio desejo. Cria imagens de materialidades que distorcem a noção espaço-tempo-contexto, enquanto reforçam essa relação. ‘Imagens de imagens quebradas’, nos termos de Didi-Huberman; rastros de algo que aconteceu, sem que saibamos exatamente o quê. Relaciona-se com trabalhos que, seguindo um “ciclo da memória”, reiteram a construção de lugares coletivos a partir de memórias individuais. É sobre o pêndulo capaz de dar a volta em si mesmo após um ímpeto que pode voltar a ocorrer somente após certo tempo.

A exposição fala da composição contrastante de imagens similares, postas lado-a-lado, em que o foco está em diferentes lugares, nos fazendo ir para trás e para frente na tentativa de aumentar a distância focal, estabilizando a imagem. Fala de videoinstalações de som ritmado, que nos fazem caminhar na cadência do relógio ou no pulso do coração. É sobre a capacidade do pêndulo de alterar seu ritmo, de acordo com agentes externos, sem que perca energia.

Observar o movimento que há entre lá e cá é também reconhecer em um artista características de outros artistas, compreendendo que, em uma residência de construções coletivas, de negociação e afeto, de movimentos pendulares que perpassam uns aos outros, de atravessamentos e colaborações, de consciência de que seu próprio trabalho pode ser resolvido a partir das soluções do outro, nasce a possibilidade da criação de novos movimentos pendulares, sazonais ou mesmo definitivos, fazendo assim com que alguns pêndulos sigam pendulando enquanto bate o relógio.

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